segunda-feira, 29 de abril de 2024

Do Terror ao Bicho-Papão

 

Do Terror ao Bicho-Papão

(“From Terror to Boogeyman” – This text has been written in such a way as to facilitate translations by electronic means)

 

Klaus H. G. Rehfeldt

 

Ideias socialistas são bastante antigas e podem ser observadas desde a Revolução Francesa de 1789. Naquele momento, a Revolução Industrial já está tomando vulto em alguns países com todos os conhecidos abusos sofridos pelos trabalhadores sujeitos às regras (ou a falta delas) do capitalismo emergente. É o período do socialismo primitivo ou socialismo utópico quando se busca um Estado ideal e justo, mas também já idealizando as primeiras formas de propriedade comum.

 

A partir do Manifesto Comunista de 1848 e o livros ‘O Capital’, de K. Marx (por sinal escrito na Inglaterra, naquele momento o centro da Revolução Industrial e seus abusos), ficou consolidado e delineado o ideário comunista, passando a servir de referência a um socialismo mais radical. Por mais que essa ideologia fosse banida pelos governos da época, tanto autocráticos, quanto democráticos, ela encontrou receptividade, e também em virtude desse banimento, ganhou resiliência.

 

Veiou a Revolução Russa de 1917, que não foi uma revolução comunista, mas anti-tzarista, porém, o vácuo de poder que ela causou foi sangrentamente ocupado pelas forças comunistas existentes no país. E a Rússia, em seguida União Soviética (URSS), tornou-se o primeiro país identificado com o comunismo. Vitoriosa na Segunda Guerra Mundial, a URSS anexou praticamente todos os países em sua periferia territorial. A mesma ideologia passou a ser adotada pela China, e posteriormente por Cuba, Congo, Correia do Norte, parte do Vietnam, entre outros, porém nunca de forma democrática, mas como resultado de golpes de estado ou  revoluções, sempre apoiados, inclusive militarmente, pela União Soviética ou a China.   

 

O mundo dividiu-se em dois sistemas político-econômico, o capitalista, em geral democrático, e o comunista, sempre autocrático. O único equilíbrio entre os dois blocos foi o bélico, e esse custou muito caro à URSS com sua economia sempre problemática. Os planos quinquenais da economia soviética fracassaram um após o outro a ponto de repetidas vezes a URSS teve de importar trigo e outros commodities dos Estado Unidos e outros países capitalistas. Sendo um sistema político imposto que não admitia contestação, sempre foi um regime bastante brutal, e nunca fora amplamente sustentado pelo povo. Havia, naturalmente, uma significativa parcela da população simpatizante da ideologia marxista, uma vez que para muitos habitantes em países comunistas houve uma efetiva melhora em seu padrão de vida (mesmo longe daquele dos países capitalistas), mas apenas o rigor - muitas vezes terror – do sistema garantia sua própria subsistência. A mão de ferro era onipresente. Via de regra, especialmente os primeiros momentos da instauração de governos comunistas eram extremamente violentos, usando o terror como meio de submissão.

 

Essa realidade ficou inequivocamente evidente quando, em 1989 caiu pacificamente o Muro de Berlin e em 1991 se dissolveu repentina e quase silenciosamente a União Soviética. Nesses momentos ficou claro que o comunismo não conseguiu se impor como forma de governo exitoso – estava falido. O regime comunista, auto-definodo como progressista (em oposição aos conversadores) deixou poucos progressos, salvo em tecnologias bélicas.

 

Como as ex-repúblicas soviéticas não tiveram qualquer experiência em regimes democráticos tornarem-se presa fácil de poderes autocráticos. No entanto, nenhum desses países voltou a ser comunista, até em alguns casos temos hoje governos conservadores Da mesma forma, nenhum país adotou a ideologia marxista como regime político nas últimas seis décadas.

 

Em nenhum país onde governara, o regime comunista foi a livre escolha do povo (eleições com resultados acima de 95% a favor de candidatos comunistas obviamente não eram limpas), e os poucos países que ainda se dizem comunistas são ditaduras que colocaram o comunismo em suas bandeiras, mas ao mesmo tempo praticam economias de mercado, ou, como Cuba, que vende seu 'comunismo' como atração turística; a China inventou a esdrúxula definição de ‘um país, dois sistemas’.

 

Em síntese, o ideário comunista foi uma resposta utópica a uma realidade de um emergente capitalismo muitas vezes selvagem da incipiente Revolução Industrial, em nada comparável com o capitalismo moderno, cada vez mais em harmonia com regimes políticos socialdemocratas. O colapso sem retorno dessa utopia mostra claramente que o comunismo não cabe nem em governos, nem na cabeça dos cidadãos comuns da atualidade.


Fazit: O comunismo implodiu definitivamente há uma geração atrás, e desde então ninguém, por mais aloprado o saudosista fosse, tentou reerguê-lo.

 

Resta, porém, um papel ao comunismo: servir de bicho-papão como importante anti-herói em campanhas políticas. Sempre haverá pessoas e agrupamentos simpatizantes dos ideais marxistas, da mesma forma como outros pensamentos inusitados e sua presença faz parte da diversidade do pensamento humano. Cada povo tem seus bichos-papão e seus respectivos interessados que os mantêm vivos. Por sorte, bicho-papão é coisa de cabeça e a razão costuma vencer.

 

 

 

sábado, 27 de abril de 2024

Migração no Século XXI

 

Migração no Século XXI

(“Migration in the 21st Century” – This text has been written in such a way as to facilitate translations by electronic means)

 

Klaus H. G. Rehfeldt

 

Migrações são constantes na história da humanidade desde a saída do homo sapiens do continente africano até as atuais fugas políticas e econômicas. A população brasileira atual resulta em grande parte dos mais de sete milhões de imigrantes que aqui desembarcaram desde 1820. E essa realidade foi causa de uma cultura extremamente tolerante em relação a procedência, hábitos e credos dessa população multi-berço.

 

            A imigração no Brasil foi resultado de uma política de povoar esse imenso país, caraterizada pela harmonia de integração e convivência multi-cultural. Essa tolerância é marca nacional. Aliás, esse cenário é uma grande qualidade das Américas.

 

Mas existem outros quadros. As migrações hoje em curso não têm destinos onde está-se esperando por sua chegada. Quando não são cidadãos que se prevalecem de facilidades como habitantes de ex-colônias e se dirigem em direção aos países ex-colonizadores, são refugiados de zonas de conflitos armados ou simplesmente pessoas em busca de melhores condições de vida, forçando o ingresso nos países de destino e apelando a princípios humanitários de acolhimento. E as nações de destino são infalivelmente aqueles com elevados níveis de prosperidade – América do Norte e Europa.

 

Proporcionalmente, os países europeus são os que registram atualmente os maiores índices de habitantes com passado migratório. Para citar alguns exemplos, esses contingentes perfazem na França 10,3% (quase 7 milhões), na Inglaterra 14,1% (9,5 milhões) e na Alemanha 28,7% (mais de 24 milhões) da população. São situações que obviamente geram controvérsias, não somente pelo volume, mas também pela falta de qualificações para integração nos respectivos mercados de trabalho, constituindo sérios problemas na integração. As sociedades europeias, as objeções e resistências partem especialmente de defensores de um conservadorismo radical. Conservadorismo significa a manutenção de valores tradicionais. E valor tradicional em pais que nunca experimentou a imigração como política demográfica significa a conservação de uma população natural de um país, sem o ingresso de pessoas de outras culturas e religiões.

 

A título de curiosidade, sublinhando a diferença com países de passado fortemente marcado por imigrações de grandes contingentes, o Brasil tem o mérito de extrema tolerância à coexistência de culturas e religiões diferentes. Por essa razão, a tentativa de alguns extremistas de mobilizar a população contra uma suposta islamização não surtiu efeito.

 

Há, no entanto, um aspecto, também demográfico, que merece uma consideração maior. Atualmente, um terço das nações do mundo registram o fim do crescimento populacional ou a redução da mesma, inclusive os três países antes enfocados. Em outras palavras, sem os mencionados habitantes de passado migratórios, as atuais populações da França de 68 milhões, da Inglaterra de 67 milhões e a Alemanha de 85 milhões, seriam, respectivamente França de 61, Inglaterra de 57 e Alemanha de 61 milhões de habitantes. Os reflexos disso sobre a situação econômica e social dessas nações são difíceis de discernir em todas as suas extensões. Certamente apresentariam PIBs bastante inferiores aos atuais, mesmo que os per capita poderiam ser mais favoráveis. O Japão está atualmente começando a sentir os efeitos econômicos decorrentes da diminuição de sua população.

 

Existem chances para uma reversão dessa tendência? Parece difícil, uma vez que nenhuma mulher abrirá mãos de um emprego que lhe rende mil ou dois Euros em troca de um bônus de 500 Euros por filho adicional; ainda mais que os espaços vitais modernos não preveem famílias numerosas.  

 

Diante dessa realidade, cedo ou tarde, as nações nessas condições, sejam elas democracias ou com regimes mais autocráticos, encontrar-se-ão na necessidade de decidir-se por uma das duas opções, encolher deliberadamente, vivendo de grandezas passadas, ou aceitar a convivência e gradual absorção de novos compatriotas com seus particulares valores, suas culturas e seus credos. E isso fatalmente implica no decorrer das próximas gerações em crescentes taxas de miscigenação entre a população originária e imigrantes ou seus descendentes – certamente um pesadelo para os mais conservadores, um problema muito menor para populações jovens. Certamente, os olhos azuis tornar-se-ão mais raros.

 

Nessas últimas considerações, o Brasil pode certamente servir de exemplo de convivência tolerante e harmoniosa.

 

 

 

 

terça-feira, 16 de abril de 2024

Importando Gente

 

Importando Gente

(“Importing People” – This text has been written in such a way as to facilitate translations by electronic means)

 

Klaus H. G. Rehfeldt

 

Não está se discutindo aqui as imigrações clandestinas, como por exemplo, de sul-americanos para a América do Norte e de africanos para diversos países europeus. Nesses casos trata-se de contingentes provenientes de regiões mais pobres ou politicamente instáveis do planeta em busca de segurança ou um padrão de vida melhor. São, em geral, pessoas por um lado movidos por muita iniciativa e disposição de sacrifícios, por outro, via de regra carecem de preparo profissional que lhes permita movimentar-se no mercado de trabalho dessas sociedades técnica e economicamente desenvolvidas. Aqui, o enfoque está na ‘importação’ legal.

 

Nesse prisma da migração legal, a Itália começou recentemente a emitir vistos de um ano de permanência, renováveis, a cidadão de fora da União Europeia, que tenham vínculo empregatício em seu país de origem em regime de trabalho a distância (home office), além de formação superior e uma determinada renda mínima. Em termos práticos, a pessoa ganha em seu país de origem (em moeda local) e gasta na Itália (em Euro).

 

Anúncios dessa natureza em variados formatos são cada vez mais frequentes. Portugal, Espanha e Itália vinculam vistos de permanência à compra simbólica de imóveis (€ 1,00) abandonados com a obrigação de restaurar e habitá-los-los. Já a Alemanha procura profissionais em várias áreas – tecnologia, médica e educação, entre outras) – mesmo sem o domínio da língua alemã, basta o inglês. Situações semelhantes são encontrada em países como Japão, Nova Zelândia, Romênia, Austrália e outros mais. Na grande maioria são países de padrões tecnológicos e econômicos elevados e, obviamente, não interessam pessoas sem qualificação e boa experiência profissional.

 

Já nos anos 1950, os países europeus, especialmente a Alemanha, em fase de reindustrialização recompuseram a mão de obra que faltava em decorrência da Segunda Guerra Mundial, chamando trabalhadores – mesmo não, ou pouco qualificados – do exterior, especialmente do sul da Europa e da Turquia.

 

Hoje, a razão para tais medidas governamentais é outra: o declínio da população dessas nações. Os mencionados países e muitos outros já entraram numa mudança demográfica, registrando uma inversão naquele crescimento populacional havido ao longo de séculos, até milênios, para um encolhimento. Até países como a China apresentam hoje crescimentos negativos. Trata-se de uma tendência global com cerca de um terço das nações na iminência, ou já na vivência dessa nova realidade. No Brasil, essa mudança deverá ocorrer num prazo de 10 a 12 anos.

 

Diante dessa realidade demográfica, os países mais atingidos com a redução de sua população tentam não somente recompor numericamente seus habitantes, mas, fazê-lo seletivamente com imigrantes portadores de capitais ou de competências profissionais em áreas deficitárias.

 

Se por um lado o melhor produto a ser importado por uma nação é o conhecimento e, melhor ainda, o mesmo podendo ser aplicado por métodos e parâmetros alternativos, por outro, para o país ‘exportador’ isso representa uma evasão – eventualmente uma sangria – desse ‘bem imaterial’ – e de seus contendores.

 

No caso do Brasil, 4,6 milhões (2,2%) de cidadãos brasileiros vivem atualmente no exterior, a maioria em países como Estados Unidos, Portugal, Reino Unido e Japão (curiosidade: um desses vive na Correa do Norte). Sabidamente, nem todos são cientistas de ponta, mas praticamente todos são profissionais qualificados (sem essa condição não entrariam legalmente em tais países). A paleta desses emigrantes vai do técnico em motosserras ao chefe de equipe médica que realiza o primeiro transplante bem-sucedido de coração de porco em pessoa humana.

 

É a situação não apenas do Brasil, mas de muitos países com padrão de remuneração baixa (mesmo de competências sociais) ou moeda fraca. Eles não conseguem segurar suas cabeças iluminadas, mas depois importam os produtos que essas criam no exterior.     

 

Inteligência e a produção de conhecimento existem em qualquer lugar do mundo. O difícil é as sociedades que mais precisam, segurar seu patrimônio intelectual. O mais grave na exportação desse ‘produto’ (e ele se exporta nos próprios pés e por atração) é que, diferentemente da soja e do açúcar, a nova safra leva pelo menos 20 anos, em geral muito mais, para aparecer.

 

   

 

 

sábado, 13 de abril de 2024

Alternativas

 

Alternativas

(“Alternatives” – This text has been written in such a way as to facilitate translations by electronic means)

 

Klaus H. G. Rehfeldt

 

Não existem pessoas perfeitas, existem as menos imperfeitas. Não existe cultura perfeita, existem as menos imperfeitas. Nossa civilização é o resultado de infinitos acertos e erros. Não existem milagres, existem prodígios resultantes de esforços bem-sucedidos. Existem êxitos e fracassos, e só.

Não existem governos perfeitos, nem passados, nem o presente, nem futuros – e nem governados. E os passados são história, que podem servir de lição. O passado se desfaz, não se refaz; só restam as essências. O passado é feito de acertos e erros, mas está concluído e seus protagonistas fizeram o que fizeram, de certo e de errado, deixando marcas positivas e negativas, deixando exemplos bons ou inaceitáveis. Erros e acertos produzem seus efeitos imediatos, mas também lançam suas projeções sobre o futuro – e cada momento tem seu futuro.

Uma sociedade compõe-se de indivíduos por natureza com características física e mentalmente distintas, mas dispostas a conviver para que a somatória das individualidades gere benefícios inalcançáveis pelo homem solitário. Resulta daí um conjunto de pessoas que naturalmente oferecem e defendem alternativas para a solução de seus problemas, e são quase forçados a encontrar fórmulas para harmonizar sua coexistência – desde tempos muito antigos.

Essas premissas não deixam dúvidas quanto ao descabimento de quaisquer intolerâncias ou incomplacências, nem admitem espaços para sectarismos, discriminação ou radicalismo. Obviamente excluem-se aqui as ‘imperfeições’ incompatíveis com a vida em sociedade e definidas como crimes.

Somos, sim, uma sociedade imperfeita, e boa parte das nossas imperfeições resulta da escolha ‘imperfeita’ entre as alternativas existentes. Diante disso, seria ilusório pensar que essa sociedade pudesse ter uma organização política perfeita, um fato, aliás, apontado pelos próprios políticos, entre eles alguns de projeção mundial. E cabe lembrar que os regimes atualmente vistos ao redor do mundo resultam de contínuas tentativas de corrigir modelos políticos considerados imperfeitos em cada momento, e de atender a sempre novas necessidades e realidades.    

O jogo da democracia é a opção pela alternativa de cada ideário. Seu princípio é simples: dar voz a todos e vez à maioria. E nessa escolha por opção jamais houve, nem haverá unanimidade. Portanto, em todas as eleições democráticas há ganhadores e perdedores – tanto entre ofertantes de alternativas (candidatos), quanto optantes (eleitores). Na sociedade moderna, o respeito à vontade da maioria é um status absolutamente racional e de maturidade política, onde não deviam caber soberba, nem rancores, no máximo satisfação ou insatisfação.

 

Se não houver essa racionalidade e maturidade corre-se o risco de cair numa situação de cisão da população para ‘nós’ e ‘eles’, como tem se observado em várias ocasiões recentes de diversos países em decorrência de eleições de segundo turno para cargos executivos, especialmente quando os resultados giram próximos dos 50%. Sabendo que toda cisão enfraquece uma sociedade, esse talvez seja um dos pontos mais nevrálgicos nas democracias modernas.

Portanto, a divisão de uma sociedade em campos opostos jamais poderá ser uma alternativa de governo ou governantes, e caso isso ocorra por algum acirramento de posições políticas, religiosas ou raciais, a harmonização e unificação da sociedade deveria ser a primeira prioridade. A maior fonte de orgulho de um povo devem ser a paz interna e sua unidade em busca de bem-estar e prosperidade da nação.

Feliz o Brasil que não sofre disputas externas, e pode destinar todas suas energias à alternativa de um abraço nacional.         

sábado, 6 de abril de 2024

Fake News, a Indústria da Mentira

 

Fake News, a Indústria da Mentira

(“Fake News, the Industry of Lies” – This text has been written in such a way as to facilitate translations by electronic means)

 

Klaus H. G. Rehfeldt

 

A mentira faz parte do comportamento humano desde quando um indivíduo da espécie homo teve consciência do bem e do mal. Ela está presente no cotidiano seja na vida privada, nas atividades profissionais, ou seja, na política. Especialmente nessa última, a mentira grassa de maneira devastadora. Ao ponto de, em certa ocasião, o ministro de propaganda do Terceiro Reich, Josef Goebbels, afirmar publicamente que “uma mentira repetida por várias vezes acaba tornar-se uma verdade”; a história provou o contrário, e a verdade foi desastrosa.

 

Por mais absurda que seja, essa frase fez escola e tornou-se motivo para os mais diversos empenhos de atingir objetivos inalcançáveis, ou muito difíceis de ser conseguidos através da verdade. O que no plano interpessoal pode ser bastante espontâneo e inócuo, na área comercial e política são trabalhos altamente profissionais, muito bem direcionados e muito bem remunerados. São experts, muitas vezes sem quaisquer logos comerciais, cores políticas ou bandeiras nacionais, e sem vínculos ou compromisso com causas ou objetivos, verdades ou fake news (notícia falsa, notícia mentirosa, inverídica), que concebem, planejam e executam a divulgação de mensagens ou campanhas de desinformação e falsidades – eventualmente em âmbito global. Invólucros sensacionalistas e/ou catastrofistas ajudam na divulgação do material, hoje beneficiando-se das mídias sociais, para cujo acesso basta um telefone celular.

 

 

Por um lado, populações incautas e menos instruídas tendem a receber mensagens fake news sem restrições, nem perguntas. Os efeitos são essencialmente dois: o assunto é esquecido em menos de 24 horas, ou, se a memória for mais longa, os anúncios – mormente os bombásticos – acabam por não se concretizar e daí geram decepção ou frustração. Por outro lado, pessoas simpatizantes com o teor da notícia, não questionando se é fake news, ou não     são destinatários valiosos de informações influenciadoras, pois percebendo-se confirmados em suas convicções, costumam ser redistribuidores de mensagens, sem qualquer questionamento da veracidade – ou mesmo sabendo não ser. A credulidade alheia sempre foi o lucro dos espertos. De qualquer maneira, seja despertando ilusões, satisfações ou massagem de egos, ou seja, gerando desconfiança, incredulidade e angústia, os efeitos são, em geral, extremamente efêmeros.

 

Ainda poucas pessoas têm conhecimento sobre deep fake, ou seja, uma ferramenta de inteligência artificial que, bastando ter uma imagem da pessoa, coloca qualquer discurso em sua boca, com toda dinâmica facial – inclusive com sotaque estrangeiro -, sem que o receptor da mensagem perceba a fraude. Isso, aplicado na média social, torna-a totalmente inconfiável. Isso devolve a média social às suas origens, um meio recreativo descompromissado.

 

 

Hoje, sem dúvida, existem formas e maneiras de verificação da veracidade dessa ou daquela mensagem. A mesma tecnologia que beneficia a circulação de notícias permite verificar sua autenticidade. Basta um pouco de desempenho, sem qualquer grau de dificuldade. Isso significa que, qualquer cidadão consegue fazer qualquer sondagem ou busca de origem. Daí resultam dois “encaminhando” (aquele apócrifo esconderijo de autoria), o verdadeiro ou a fake news com seus respectivos autores. Obviamente, cada um tem o direito de defender suas causas e dispõe do arbítrio de como fazê-lo. Mas fica a pergunta: uma causa nobre precisa de fake news para sua divulgação?

 

Entretanto, as fake news, especialmente nas redes sociais, parecem estar com os dias contadas. Estamos na primeira infância da inteligência artificial (IA) e a mesma tecnologia usada na produção de fake news certamente não demorará de aparecer com um aplicativo que automática e instantaneamente fará a verificação da veracidade da mensagem. Restará a memória das imagens e fontes do mundo fake. Há mentira pública para o Bem?  

 

Afinal, causas nobres defendidas por fake News, no mínimo, perdem o brilho, em geral, sua autenticidade.   

 

segunda-feira, 11 de março de 2024

Como è a Vida sob o Comunismo?

 

Como É a Vida sob o Comunismo?

(“What Is Life Like Under Communism?¨– This text has been written in such a way as to facilitate translations by electronic means)

 

Klaus H. G. Rehfeldt

 

Um dia desses, na minha casa, um amigo bastante familiarizado com minha biografia, me fez essa pergunta: “Como é a vida sob o comunismo?” Tentei explicar através de três episódios que presenciei na qualidade de refugiado de guerra, vivendo, ainda muito jovem, na Alemanha Oriental, comunista. Meu pai, médico militar, tinha falecido num campo de prisioneiros de guerra na Rússia (soubermos disso apenas anos mais tarde).

 

Episódio 1. Em determinado momento encontramos acolhimento numa família na Turíngia por intermédio de Anita, 15 anos, filha de amigos de minha mãe. Um pequeno detalhe: Anita, cujos pais morreram num bombardeio na cidade de Breslau tornou-se responsável pelos seus dois irmãos menores e tinha encontrado abrigo na casa desses amigos de seus pais. A casa bastante grande dessa família M., na verdade um casal cujos dois filhos morreram na guerra, ficava numa pequena elevação com vista para uma próxima indústria de papel – que tinha sido deles, mas foi desapropriada e seu maquinário encontrava-se na plataforma da estação próxima da estrada de ferro, à espera de ser deportado para a Rússia.

 

Certo dia, a caminho da escola com neve até os joelhos, os dois irmãos de Anita (não lembro seus nomes) e eu encontramos uma lebre morta numa laçada. Ao perceber o preparo da lebre por minha mãe e Anita na cozinha única da casa, o senhor M. foi categórico, metade da lebre era sua porque provinha de sua floresta – um pormenor: essa floresta não era mais sua, foi desapropriada juntamente com a fábrica.

 

Episódio 2. O dinheiro levado na fuga estava acabando e minha mãe, com formação em enfermagem, procurou e acabou encontrando emprego como enfermeira comunitária com atuação, via bicicleta, em cinco pequenos vilarejos. Nessa condição, a prefeitura da maior delas abrigou-nos na casa de uma família que teve de ceder duas peças para nós, além do uso de áreas comuns, como cozinha, banheiro, lavação e pátio interno. O dono da casa era torneiro numa indústria estatizada de artefatos de madeira (tenho até hoje uma caixinha torneada por ele). Naturalmente foi uma convivência não sem atritos, mas tínhamos moradia e renda.

 

Entre a pessoas das quais minha mãe cuidada estava a mãe do prefeito do lugarejo, obviamente comunista. Em determinado momento, esse cidadão revelou para minha mãe que estava a par da nossa anterior situação social (o sistema já funcionava) e que, como ‘filhos de acadêmico’ não teríamos a menor chance de um estado além do básico numa nova sociedade de lavradores e operários.

 

Ao mesmo tempo, suponho que em reconhecimento da dedicação dispensada à sua mãe, esse prefeito ofereceu-nos passes para poder livremente deixar a Alemanha Oriental. Minha mãe aceitou a oferta. Pouco tempo depois, no posto de fronteira com a Alemanha Ocidental, apresentando nossos passes, os mesmos ganharam uma carimbada devastadora: “Ao tentar sair da DDR (Alemanha Oriental) deverá ser preso.” Fugimos na mesma noite a pé por entre florestas, vales e montanhas, dentro de túneis ferroviários abandonados e outros obstáculos. Na manhã seguinte estrávamos na outra Alemanha.

 

Episódio 3. O muro de Berlin e a fronteira rigorosamente vigiada entre as duas Alemanhas tinham caído a pouco tempo. Na minha primeira viagem à Alemanha depois da vinda para o Brasil, a certa altura na região ao norte de Berlin (e na ex-Alemanha Oriental) estávamos, eu e minha mulher, à procura de uma pousada. Era fim de semana e época de férias na Alemanha. Acabamos por encontrar uma com quarto disponível numa região rural. Na realidade era a sede de uma antiga propriedade rural, bastante grande como soube depois, consistindo de uma casa de moradia, então transformada em pousada, e extensas edificações abandonadas, que, em outra época, tinham sido estábulos e celeiros. Conversei longamente com a proprietária do conjunto, cuja vida transcorreu quase totalmente sob o regime comunista, e que me contou que todas as terras tinham sido desapropriadas dentro da reforma agrária havida sob o novo regime – e que não haveria mínimas chances, nem vontade de recuperá-las.

 

Na manhã seguinte, durante a despedida a dona da pousada olhou para mim com uma frase surpreendente: “O muro devia ter sido três metros mais alto!”.

 

Foram três situações vividas do cotidianos e quatro personagens entre milhões: o homem vendo todo dia pela janela da sua casa a espoliação daquilo e que ele, seus pais e seus avôs haviam construído, simplesmente pela imposição de um sistema, de uma ideologia; o comunista convicto, em cargo público, mas com sentimento humano, contraposto ao funcionário que simplesmente mandava prender a quem procurasse a liberdade de decidir sobre sua vida; e a cidadã, que via seus objetivos de vida alcançados pela garantia de pleno emprego e segurança previdenciária, mesmo às custas de supressão da livre escolha e a liberdade, sem tunelamento estatal, de ser, de crescer, de acertar e de errar – da garantia de liberdade e dignidade do homem, de todos os homens. - Aliás, para o torneiro de madeira praticamente nada mudou.

 

Essas foram algumas das minhas experiências. Há milhões de outras vivências pessoais.

 

   

sábado, 9 de março de 2024

O Que Sobraria?

 

O Que Sobraria?

(“What Would Be Left? ¨– This text has been written in such a way as to facilitate translations by electronic means)

 

Klaus H. G. Rehfeldt    

 

Nenhum hóspede deste planeta tem a permanência eterna garantida. Nem o homem com toda sua tecnologia. Inúmeras espécies da fauna e da flora já encerraram sua presença na Terra, seja por desastres geológicos, por mudanças climáticas, sabidamente cíclicas e de diferentes intensidades, ou seja pela ação do homem. Mais recentemente na história do nosso planeta nós, humanidade, temos atuado significativamente de forma negativa sobre a flora, mas especialmente sobre a fauna global. Há poucos milhares de anos, essa fauna era composta por 99% de animais silvestres e 1% de humanos; hoje são 67% de animais domésticos, 32% de humanos e 1% de animais silvestres. À parte, segundo estudos do DNA humano, há muitas centenas de milhares de anos, nossa espécie também já foi reduzida possivelmente a alguns poucos milhares de pessoas, sem que se conheça os motivos.

 

Diante disso, nunca poderemos descartar a possibilidade de que, por algum evento ou circunstância, encerre-se a presença do homem sobre a Terra, seja em decorrência de alguma fragilidade adquirida, de um cataclismo global, ou por simples auto-extinção. Porque não em consequência da própria inteligência humana, mal-usada (por exemplo, por armas nucleares), da violência sobre a natureza (desmatamentos, agrotóxicos, esgotamento de recursos naturais), ou descontrolada (quem sabe da inteligência artificial)?

 

A força da natureza resulta da coexistência, não do domínio.

 

Surge, então, a hipótese – nem tão hipotética – de uma nova fase pós-antropoceno do nosso planeta. Fica então a pergunta: o que restaria 50, 100 ou 200 mil anos – talvez nem tanto, ou muito menos – após esse desaparecimento? E tal espaço de tempo represente apenas cerca de 0,001% da presença de vida na Terra.

 

Já depois de poucos séculos, certamente não haveria mais vestígios de praticamente todo material artificial usado na nossa civilização. Resíduos de plástico, estariam decompostos para suas substâncias de origem e absorvidos pelo ambiente. Quaisquer outros materiais orgânicos, de madeira a asfalto, já teriam seguido o mesmo caminho. Mesmo matérias primas beneficiadas como ferro, cobre e outros metais teriam passadas, ou ainda estariam passando por processos de corrosão ou oxidação dependendo do ambiente em que se encontrariam. Muito antes do prazo acima, pontes, trilhos de estrada de ferro, as mais diversas estruturas de aço devem desaparecer pelas mesmas causas. Os mesmos destinos teriam todos os produtos da indústria de transformação. Estruturas aparentemente duráveis, como edifícios, pontes, barragens de represas, pistas de aeroportos, tudo que tiver sido construído de concreto armado estaria reduzido a areia e óxido de ferro.

 

Desde a Mesopotâmia ou o antigo Egito, a presença de rios é essencial para a fixação do homem e a constituição de suas sociedades. Por outro lado, todos os cursos de água contribuem para um nivelamento da superfície terrestre, transportando material sólido de regiões mais elevadas em direção aos mares – ou, em momentos de enchente o depositam em suas margens. Assim, ao longo de milênios, eventuais vestígios civilizatórios, senão deteriorados, deverão ser soterrados. E quando não serão rios a encobrir indícios ou traços da presença humana, a própria vegetação reconquistará seus espaços perdidos.

 

E o orgulho dessa humanidade, seu software, como a medicina, a engenharia, a religião, a informática, a inteligência artificial? Os últimos sinais sumirão com a morte do último cérebro humano.

 

O que então restaria da presença do homem sobre a Terra? Sobrariam certamente, mas provavelmente soterrados ou submersos, amontoados de pedras naturais curiosamente em formas geométricas exatas e dimensões iguais. Sobrariam também conjuntos de estranhas ferramentas de ouro e prata, e pedaços de lâminas transparentes. E poderiam ser encontrados remanescentes de grandes pirâmides e de um longo monte de pedras trabalhadas. Mas também existirá um bizarro círculo de grandes pedras em pé, algumas cobertas por outras deitadas, e bem longe dali numa ilha esquisitas figuras, algumas parcialmente enterradas, outras deitadas. Mas, o achado mais insólito poderão ser ferramentas e armas de sílex lascado.

 

A humanidade deixará marcas de seus primórdios, dificilmente de sua existência sofisticada.